Aninhada em uma área de 10 quilômetros quadrados na zona sudoeste de São Paulo, a favela Paraisópolis é o lar de mais de 100.000 brasileiros.
Exemplificando os grandes contrastes que permeiam a maior metrópole do Brasil, a comunidade está localizada no bairro do Morumbi, um dos mais ricos e desenvolvidos da cidade. Mas enquanto os moradores do Morumbi têm acesso a ruas pavimentadas, iluminação, saneamento e outros serviços governamentais, os que vivem em Paraisópolis carecem da infraestrutura mais básica e seu labirinto de ruas e corredores não planejados torna a navegação na favela extremamente difícil para quem não mora lá.
Como consequência, os residentes de Paraisópolis foram deixados de fora do boom do comércio eletrônico no Brasil nos últimos seis anos. Dados da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) revelam que o faturamento do setor entre 2017 e 2022 cresceu 181% no país, passando de R$ 60 bilhões (US$ 11 bilhões) em 2017 para R$ 169 bilhões (US$ 32 bilhões), em 2022.
Segundo a associação, os segmentos que apresentaram os melhores resultados foram: alimentos e bebidas, impulsionados pelos jogos da Copa do Mundo; perfumaria, pet shops e eletroeletrônicos.
Para 2023 , o setor espera continuar crescendo com projeções que indicam faturamento de R$ 185,7 bilhões (US$ 35 bilhões).
Uma jovem moradora de Paraisópolis, Giva Pereira, reconheceu o problema e fez algo a respeito.
“Cresci vendo problemas, ajudando a resolver problemas, incentivando outras pessoas a resolverem problemas também. Aqui é o meu mundo, um mundo de oportunidades onde eu ajudo as pessoas, onde as pessoas também me ajudam muito”, disse Pereira, que se mudou do interior para Paraisópolis há 10 anos com a mãe.
Com apenas 22 anos, Pereira é CEO da startup de inteligência logística Favela Brasil Xpress , que hoje entrega compras online para oito favelas no Brasil, incluindo Paraisópolis.
A Brazil Reports visitou a sede da empresa na favela em março para saber mais sobre suas operações e como as empresas estão inovando para resolver problemas de logística no país.
Há mais de cem anos, a área que hoje é Paraisópolis era uma terra desolada. Em 1921 , foi dividido em 2.200 lotes destinados a se transformar em um bairro nobre.
No entanto, o terreno extremamente íngreme, cortado por vários córregos, mostrou-se difícil de desenvolver e inviabilizou o projeto imobiliário.
Na década de 1950, durante a industrialização de São Paulo, trabalhadores pobres – a maioria do nordeste economicamente desfavorecido do Brasil – em busca de oportunidades na cidade, começaram a se estabelecer informalmente nas terras que hoje são Paraisópolis.
Sem planejamento ou apoio do governo, a comunidade de Paraisópolis se transformou em um emaranhado de barracos de madeira, tijolos e concreto. Casas, de todas as formas e tamanhos, estavam espalhadas nas laterais de ruas estreitas, em becos e ao longo de passagens estreitas e escadarias.
Embora a construção ao acaso ao longo dos anos faça de Paraisópolis um caso fascinante para a arquitetura moderna, ela também a torna um inferno para motoristas de entrega e entregadores.
A maioria das casas não tem um endereço oficial, muitas não dão para ruas transitáveis por carro ou moto, e as ruas e corredores muitas vezes são referidos apenas por apelidos locais - essencialmente sem sentido para os motoristas de entrega de fora da favela.
Durante nossa visita à base de operações do Favela Brasil Xpress, em Paraisópolis, Pereira nos contou que a ideia de criar a startup surgiu de suas próprias tentativas frustradas de fazer compras online.
“Comprei livros e nunca chegaram aqui na comunidade de Paraisópolis”, disse. “Então fui saber quais eram os problemas pelos quais o morador da comunidade não recebia os produtos na porta de casa.”
Pereira explicou que apenas as casas em algumas ruas principais de Paraisópolis têm nome, endereço e CEP oficiais. Segundo ele, os moradores costumam pintar números aleatórios na lateral de suas casas para identificá-la como sua, impossibilitando que os serviços tradicionais de entrega localizem essas casas com precisão.
“Se você observar essa rua aqui da comunidade, o número 1 fica ao lado do número 1.000, que fica ao lado do número 50. Então as pessoas acabam colocando ali o que é conveniente para elas”, disse.
Depois de entender o problema, Pereira partiu para resolvê-lo. Ele construiu um plano ambicioso que possibilitaria a entrega de compras online a todos os moradores da favela. Para isso, ele recrutou uma equipe de entregadores locais para ajudá-lo a mapear as regiões da comunidade, dividindo-a em dezenas de setores.
Ele entrou em contato com os maiores varejistas de comércio eletrônico do Brasil na tentativa de formar parcerias. Sua startup decolou.
Há dois anos, o próprio Pereira começou a fazer entregas de bicicleta, entregando o que dizia ser cerca de 150 pacotes por dia. Hoje, a empresa entrega mais de 4.000 pacotes em Paraisópolis e tem parceria com alguns dos maiores varejistas eletrônicos do país como Americanas, Via Varejo, Magalu, Riachuelo, Mercado Livre e, segundo Pereira, estão em negociações avançadas com gigante do varejo Amazon.
“O que levou essas empresas a acreditar que seríamos realmente capazes de entregar é que usaríamos os moradores da comunidade que conhecem a favela, sabem os endereços, conhecem os becos”, disse Pereira. “Hoje, tenho cerca de 300 pessoas que fazem entregas de mota, bicicleta, tuk-tuk, veículo elétrico e até a pé quando a encomenda está perto.”
A empresa paga R$ 4 (US$ 0,75) por cada entrega feita de carro, R$ 3,50 (US$ 0,66) por moto e R$ 3 (US$ 0,56) quando as viagens são feitas de bicicleta. Em média, os entregadores ganham entre R$ 1.500 (USD $ 280) e R$ 4.000 (USD $ 750) por mês.
O Favela Brasil Xpress não cobra dos moradores das favelas pela entrega, mas cobra uma taxa dos e-varejistas pela entrega das embalagens, e eles têm um limite de 30 quilos para entregas em becos e corredores íngremes.
Para que as entregas sejam recebidas, os compradores online devem inserir um código postal oficial de uma rua principal próxima, juntamente com um ponto de referência perto de sua casa na plataforma de compras do varejista eletrônico. Os motoristas de entrega locais usam as informações para entregar o pacote à sua porta.
“Podemos encontrar a casa do morador pelo ponto de referência. Então o entregador que conhece aquele ponto de referência, que mora na comunidade, às vezes é até vizinho da pessoa”, explica Pereira.
O Favela Brasil Xpress também busca aproveitar a tecnologia disponível para tornar seu serviço de entrega ainda mais preciso. Uma parceria com os Plus Codes do Google Maps está sendo gradualmente integrada à sua plataforma, atribuindo um código alfanumérico a cada casa da comunidade por latitude e longitude, agilizando significativamente o processo de localização. A primeira fase do projeto foi financiada pela Americanas, e a segunda fase totalmente financiada pelo Google, segundo Pereira.
“Hoje gastamos algo como uma hora roteando [entregas]. Com a chegada dos Plus Codes, vamos gastar 30 segundos”, disse Pereira.
Desde o lançamento em 2020, a empresa entregou mais de 1 milhão de embalagens, totalizando cerca de R$ 700 milhões (US$ 136 milhões) no comércio, e gerou R$ 7 milhões (US$ 1,36 milhão) em receita, segundo o CEO. Eles também se expandiram para fora de Paraisópolis e São Paulo, agora operando em sete favelas em todo o Brasil.
Pereira também nos disse que atualmente eles fazem cerca de 7.000 entregas por dia nas favelas em que atuam.
No ano passado, a startup levantou R$ 930 mil (US$ 180 mil) por meio de um IPO na Bolsa de Valores de Favela , plataforma lançada em novembro do ano passado para atrair investidores para negócios desenvolvidos e operados em comunidades brasileiras.
Agora, com mais planos de implantação de novas tecnologias, Pereira antecipa o crescimento — e o céu não é um fator limitante.
“Queremos testar entregas de drones nas comunidades porque não é apenas rápido, mas também mais barato. Estamos esperando a autorização da ANAC [Agência Nacional de Aviação Civil] para fazer o primeiro voo, o primeiro teste”, disse.
Este artigo foi publicado originalmente por Thiago Alves no The Sociable.